sexta-feira, 30 de março de 2018

Desafio de costura histórica: Camisola 1930-1940

 

    O tema de Março do desafio de costura histórica é 'Conforto no lar: faça algo para ser usado em sua casa (histórica)'. Já fazia um tempo que eu admirava camisolas vintage, então aproveitei o tema para fazer uma pra mim e sim, estamos introduzindo uma outra época aqui no blog, rs. Eu também sou bem fã das décadas de 1930-40 e tento colocar elementos da moda desse período no meu dia a dia. Para mim esse desafio foi unir o útil ao agradável. 

Número do desafio: #3 (conforto no lar)
Tecido: cetim
Molde: tracei o meu próprio, baseando-me em exemplos históricos
Ano da peça: 1930-1940
Materiais utilizados: cetim, renda de tule, viés de cetim.
Quão historicamente correto é?: 80%*
Total de horas para finalização: Aprox. 4 horas
Quando utilizou pela primeira vez: Usada apenas pra fotos
Custo total: zero, utilizei materiais que já tinha

*Como eu cálculo a acuidade histórica: 25% aparência, 25% materiais, 25% técnicas, 25% modelagem.


Modelo

    Esse corte de camisola era muito utilizado nas décadas de 30 e 40. Eu buscava por algo com esse recorte no busto e detalhes em renda. Minhas principais referências foram ilustrações em catálogos da época.

Molde e corte

    Já tendo uma referência de como o molde deveria ser, tracei o meu a partir dele, com as minhas medidas. Foi a primeira vez que tracei esse tipo de recorte no busto e é impressionante o quanto ele influencia no caimento da peça. Eu sempre acho cortar cetim complicado pelo tecido ser escorregadio e acabei não fotografando o processo. 

Construção

    Primeiro eu apliquei a renda no busto, depois uni as duas partes do decote frontal, e então a saia. A parte de trás fiz também nessa ordem. Pespontei a costura abaixo do busto para dar acabamento, uni as laterais e as alças em viés foram a última coisa que costurei. 

Resultado 

    Eu amei! Ficou realmente como eu esperava que ficasse e foi uma peça bem rápida de fazer. Fiquei satisfeita com a modelagem e ainda pretendo fazer outras peças nessa mesma modelagem. A minha única ressalva é a renda de tule, eu acho que ela pinica um pouco então numa próxima eu utilizaria a renda de outro material. 

   Não sei se século XX será um assunto abordado muitas vezes aqui no blog, mas gostei de diversificar um pouco, ainda que em um post mais curto. Espero que tenham gostado, vocês se interessam por esse universo vintage e retrô? 

Referências

Molde - https://br.pinterest.com/pin/523684262914718032/ 
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segunda-feira, 26 de março de 2018

Minha evolução na costura histórica. O que mudou em 7 anos?

    Costura, como praticamente toda atividade manual, é algo que se evolui com a prática. Quando falamos em costura histórica falamos na junção de pesquisa e confecção, a produção de um traje depende das duas. Durante uma conversa com a Pauline e Luiza resolvemos fazer um antes e depois, mostrando a evolução nos trajes usados em eventos revivalistas e recriação histórica.

    Mas ao invés de colocar uma foto do meu primeiro e do ultimo traje, resolvi comparar coisas afim, destacando alguns trajes com uma breve reflexão dos pontos que mudei ao longo dos anos. No texto  também linkei alguns posts relacionados aos trajes que menciono, caso queiram ver algum de forma  mais detalhada.

Primeira incursão na moda histórica e revivalismo: 2011 x 2017

Foto à esquerda por Ludie e à direita por Dani Santos

    Meu primeiro evento revivalista foi o II Picnic Vitoriano, em 2011. Eu ainda não tinha como fazer um traje de época então resolvi usar lolita. Misturei elementos da moda com alguns elementos vitorianos: camafeu, luvas, e...bem, acabam por aí os aspectos históricos. O cuidado com cabelo e maquiagem também era praticamente inexistente. Não é um outfit que eu repetiria, apesar de ainda gostar muito de algumas peças dele... Acho que faltou um cuidado maior com detalhes, trazendo mais das referências que eu queria mostrar.

    Na minha segunda tentativa de adaptar moda histórica para lolita, em 2017, acredito que me saí melhor. Ao invés de acrescentar acessórios, dessa vez adaptei elementos do rococó (o vestido aberto na frente, o peitilho, anágua, as mangas 3/4 com babados) à silhueta da moda lolita, com a saia armada e na altura do joelho. O cabelo e maquiagem também foram inspirados no século XVIII, apesar de eu não estar tão preocupada com acuidade histórica nessa parte. Eu adorei o resultado final, amo as fotos desse dia e eu só mudaria o decote do vestido que ficou profundo demais e um tanto desconfortável.

Experiências em moldes históricos e reproduções de vestidos vitorianos: 2012 x 2015

Fotos por Mitsuo Yamamoto e Mau Kisner, respectivamente

    O primeiro traje histórico que fiz foi esse de Rainha Vitória, que usei em 2012. Foi o primeiro documentado aqui no blog e o primeiro que eu pesquisei a fundo pra reproduzir, o que levou meses. Fiquei bem satisfeita com o resultado, e orgulhosa também porque envolveu a aprendizagem de várias técnicas que até então eu não tinha usado. Tive ajuda de colegas mais experientes que me deram dicas, indicações de loja e até mesmo scan de livros de história.

    Depois desse fiz inúmeros trajes vitorianos, mas gostaria de destacar esse que fiz em 2015, por ser de uma época próxima. Aqui eu também repliquei um traje, dessa vez com uma escolha de modelagem mais ousada. Ainda assim, foi uma peça que fiz sem  mock-ups e terminei em poucos dias. Já estava familiarizada com penteados da época então não tive tanta dificuldade nisso também. Escolhi esse traje para mostrar que muitas vezes evolução não necessariamente significa um traje mais suntuoso, mas sim se familiarizar com técnicas e conseguir fazer algo com facilidade.

Improvisos com peças disponíveis vs concluir um traje: 2014 x 2017

Fotos por Mitsuo e Mara Sop, respectivamente

    Esse primeiro é um dos trajes que eu mais detesto, argh! Evento marcado (em 2014) e eu não tive tempo de terminar o vestido, então improvisei com uma chemise longa, um robe (sim, o mesmo do meu traje de chá vitoriano) e uma fita abaixo do busto. Eu também não gostei do meu penteado, era a primeira vez que eu tentava fazer esses cachos usados no império. Como cereja do bolo, o dia estava chuvoso e eu mega desanimada pra fotos.

    O último foi esse, em 2017 também. Eu não tenho muito o que dizer sobre além de que dessa vez eu realmente fiz um traje completo. Roupa de baixo, vestido, e depois ainda coloquei um spencer que eu já tinha em meu acervo por ter feito pra um traje anterior. A vantagem de focar num recorte histórico é que as você pode ir recombinando peças e formar trajes novos sem precisar investir em um kit completo. Eu também aprendi a testar os penteados que quero usar antes do dia do evento, o que ajuda muito no resultado final.

Eu adoro esse traje que fiz em 2016, e representa como ao longo dos anos fui conseguindo fazer trajes cada vez mais realistas, o design também fui eu que criei, e não apenas tentei reproduzir algum figurino ou tela como costumava fazer no início. 

    Para concluir, queria dizer que o aprendizado não é exatamente linear, é feito de auto e baixos e mesmo que você domine alguma área ou técnica, aprender algo novo sempre envolverá erros. Aquela velha máxima de que a 'a prática leva à perfeição' é bem real e a parte boa é que quanto mais você praticar, melhor vai ficar em algo. Gostei de ir separando exemplos e destacar alguns trajes que mostrassem em imagens o que quero dizer.

    Espero que eu tenha conseguido passar essa mensagem e adoraria que esse post inspirasse os que gostariam de iniciar nesse campo mas estão na dúvida se vão conseguir atingir expectativas logo de primeira. Adianto que provavelmente não, mas com certeza é uma jornada divertida.  Nesses 7 anos foquei muito em século XVIII e XIX até me sentir segura reproduzindo essa época, mas agora já me sinto confortável pra explorar outras épocas, silhuetas e técnicas. De uma certa forma, costura histórica é uma forma de explorar o passado, traduzir pesquisas em objetos tangíveis. O meu lado nerd também gosta de considerar uma forma de viajar no tempo, haha. 

segunda-feira, 19 de março de 2018

O bordado na era vitoriana

O quanto de história e sociedade podemos contar a partir de uma peça de roupa? E um detalhe? Eu acredito que muito, afinal a moda é um reflexo da sociedade, suas normas, tecnologias, contexto histórico. Hoje falo sobre bordado, e principalmente o papel dele no século XIX.

A moda do século XIX:

Vestido de corte português, 1845


Resumindo a moda vitoriana feminina em apenas algumas linhas, podemos dizer que ela se baseava basicamente em camadas, silhuetas, ornamentos e extravagância. Temos saias armadas, babados, peças estruturas como corsets, mangas bufantes... Era uma moda num geral extremamente detalhada, onde estar o mais 'enfeitado' possível era o ideal. Sendo assim importância do bordado na moda era grande, já que podia tornar peças aparentemente básicas mais interessantes visualmente.

Até o início do século todos os itens de vestuário eram feitos à mão. A invenção da máquina de costura algumas décadas depois agilizou a produção de peças básicas e de uso cotidiano, o que não impediu que peças mais detalhadas continuassem em voga. A busca por peças ornamentadas assim seguiu por exemplo até a década de 1880, onde bordado decorativo em peças de seda era popular.


Bolsa feita em Varanasi, em 1862

Não só pra decoração de roupas, o bordado também era usado em itens para decoração como cortinas, almofadas, biombos etc.


Sua difusão:


Página de um manual de trabalhos manuais de 1887

Modelos e moldes de bordado eram divulgados em revistas como a Peterson’s Magazine e a Godey’s. Essas revistas eram dedicadas ao público feminino e continham receitas, novidades sobre moda, peças de literatura e afins. Revistas assim eram muito importantes e basicamente continham tudo o que uma mulher bem informada deveria saber.

Era comum também os ‘samplers’, uma espécie de catálogo de tipos de pontos e alguns desenhos. Durante a era vitoriana os trabalhos manuais eram divididos em duas categorias: plain work, que incluía remendar roupas ou fazer artigos simples, e o fancy work, que se tratava de peças em tricô, bordados e outros itens mais decorativos.


"Um bordado simples ou sofisticado costuma proporcionar uma parte da recreação noturna para as mulheres da casa".
Beeton's Book of Household Management, 1861

Enquanto o plain work ficava mais para mulheres de classes mais baixas (muitas vezes enquanto trabalhavam em outras casas), as mulheres de classe média e alta não deixavam de enfeitar suas roupas com bordados, para demonstrar que eram habilidosas.

Trabalhos manuais eram ensinados às meninas em casa e na escola, inclusive escolas profissionais, como a The School of Art Needlework, fundada em 1872, que foi uma escola completamente dedicada a ensinar bordado.

Segundo o livro belding Self instructor, apesar de ter um professor seja a melhor forma de aprender, bordar é algo perfeitamente possível de se aprender com livros também. Para os iniciantes, era indicado que fizessem aventais, por ser uma peça simples e que não requer muito material.


Seu papel social:


“Trabalhos manuais ensinavam humildade, economia, caridade, e indústria, qualidades importantes para uma civilização avançada, de acordo com o pensamento vitoriano”
Victorian Needlework

Era importante para uma mulher de boa família saber realizar alguns trabalhos manuais, e provavelmente o bordado estava entre um dos mais praticados e valorizados. Era uma atividade considerada básica para qualquer mulher, que aprendiam a técnica desde criança. Além disso, era um detalhe muito utilizado em peças femininas e masculinas da época.


Portraits in the Countryside por Gustave Caillebotte, 1876.

Durante o século XIX boa parte das mulheres não trabalhava, sendo assim passavam muito tempo em casa e esse tempo precisava ser preenchido de alguma forma. O bordado mantinha as mulheres ocupadas e também era considerado uma atividade de lazer para se fazer junto de visitas, principalmente amigas íntimas.

Com uma grande tradição histórica, o bordado no século XIX já era considerado uma forma de arte, com desenhos elaborados seja em itens de decoração ou vestuário. Era também uma forma de as mulheres se expressarem, numa época em que não tinham tanto espaço para isso.

Podemos ver como mesmo um detalhe de uma roupa revela peculiaridades sobre história da moda, tecnologia têxtil, contexto histórico, padrões de comportamento... O quê e como uma mulher bordava podia indicar a classe social dela e seu papel na sociedade. Mesmo uma atividade muitas vezes tida como um passatempo movimentava o mercado e delimitava expectativas em relação a papeis de gênero.

Referências: