"[as rendas] são muito mais que um fazer artesanal feminino desenvolvido ao longo dos séculos e culturas ocidentais. Elas são uma rica fonte de conhecimento, poesia e inspiração para inovação em vários campos, como os de têxteis, arte, arquitetura e design. " Vera Felippi
Hoje as rendas são uma parte corriqueira do nosso vestuário e é possível encontrá-las facilmente em armarinhos, mas você já se perguntou como elas surgiram e se popularizaram? Hoje trago uma breve história de como a produção de renda se desenvolveu no ocidente.
|
Cutwork italiano do século XVI |
Embora existam registros de trabalhos manuais como o bordado desde a antiguidade, o desenvolvimento da renda se deu a partir do século XV. Uma das primeiras técnicas para a sua produção consistia em bordar o tecido primeiramente e então recortá-lo em pontos estratégicos, formando um desenho vazado, conhecido em inglês como cutwork.
Assim que é desenvolvida a renda passa a aparecer no vestuário enfeitando roupas no lugar dos bordados ou complementando-os. Inicialmente, as principais técnicas eram a renda de agulha (que é feita a partir de um fio contínuo) e a de bilros (com os desenhos feitos a partir de vários fios). Os principais materiais utilizados inicialmente eram o linho, ouro e a seda.
|
Detalhe de Venus, from the Seven Planets and ages of men, de Adriaen Collaert |
Os primeiros países a desenvolverem esse tipo de renda são a França e Itália, mas a partir dos séculos XVI e XVII cada país desenvolve sua própria técnica para a produção de renda. Por exemplo, os conventos italianos eram os principais na produção de rendas de agulha. Já a Holanda tinha uma preferência maior pelas rendas que formavam os rufos. Alemanha e Inglaterra também eram grandes produtoras de na época. Desde o início, a produção de renda era muito associada às mulheres, que eram as principais responsáveis pelo desenvolvimento dos trabalhos manuais.
|
Punto in aria, que decoravam os rufos europeus no século XVI. Um único rufo poderia usar até 23 metros de renda. |
No século XVII temos uma preferência ainda maior por rendas, que decoram as golas e punhos das roupas, principalmente. O seu uso era comum tanto por homem quanto por mulheres. Por ter uma produção extremamente demorada e intrincada, era a parte mais cara do vestuário e utilizada principalmente pela aristocracia.
|
Detalhe de um retrato de George Villiers, o 1o duque de Buckingham |
A grande procura pelas rendas causou até mesmo o contrabando das mesmas, decorrente de proibições comerciais relacionadas à importação em países como a Inglaterra e a França. Existem vários registros no século XVIII de revistas de autoridades em procura de rendas contrabandeadas em casas, ateliês e até mesmo caixões!
A Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1714) freou a produção de rendas em vários pontos dos países europeus, impactando a economia dos lugares em que a peça era uma commoditie importante, como a França. Após esse embate, a França voltou a utilizar as rendas na ornamentação dos vestidos e esse uso se manteve presente até o fim do século, quando ocorre a Revolução Francesa e a moda passa a ser mais simples, rejeitando ornamentos relacionados à nobreza.
As rendas então caem em desuso até o início do século XIX, quando Napoleão ascende ao poder e passa a adornar suas roupas com rendas, popularizando alguns tipos, como a renda d'Aleçon
|
Renda d'aleçon |
No Brasil, a chegada de D. João VI em 1808 aumentou a demanda pela produção de rendas por conta do maior número de eventos sociais, que influenciaram a elite a fazer uso de peças de roupas mais elaboradas. A importação de renda francesa também era muito comum, assim como revistas de moda, por onde mulheres da elite aprendiam as técnicas para produzir rendas manuais. O uso das rendas de bilros no país é antigo, mas não há muitos registros formais de quando ela passou a ser utilizada. O ensino das técnicas eram feito de forma informal, em casa, para as moças da família ou criadas.
A Revolução Industrial do século XIX traz também o início da produção de rendas produzidas de forma mecânica. A Inglaterra surge com uma máquina em 1808, a Bobbinet, que foi a primeira a utilizar fios de algodão. No início, essas máquinas produziam redes que eram ornamentadas à mão, mas posteriormente foram inventadas versões que também bordavam as rendas. Até rendas famosas por serem feitas à mão, como a Chantilly, passaram a ser produzidas também de forma industrial.
|
Tear de renda industrial do século XIX |
Essa mudança impactou diretamente as mulheres que produziam rendas manuais, que tiverem seus empregos ameaçados e seus salários diminuídos. Em contrapartida, essa maior produção facilitou o acesso às rendas por classes menos abastadas.
No fim do século XIX popularizam-se as rendas químicas, que eram produzidas com uma técnica em que o motivo é bordado em um tecido que posteriormente é removido com processos químicos, deixando somente o desenho vazado.
|
Decote de renda vitoriano produzido a partir da técnica de renda química |
No início do século XX ocorre a Belle Époque, movimento artístico que impactou a moda europeia onde o uso de rendas era intenso no vestuário feminino. Após algumas décadas, ela é tida por fora de moda por alguns estilistas famosos e cai em desuso.
A produção das rendas manuais é impactada peça I e II Guerra mundial, as Guerras Civis Espanholas e a Crise Financeira de 1929, eventos que também tiraram muitas mulheres dos lares para assumirem postos no mercado de trabalho. A partir disso, a renda manual se torna mais um ofício mais raro, utilizado como lazer.
O século XX também traz as fibras sintéticas a partir da década de 1930s utilizados em teares como Raschel, que são utilizados até hoje na moda.
|
Renda do tipo raschel |
Espero que a leitura desse texto tenha despertado curiosidade acerca do assunto e que vocês tenham aprendido um pouco aqui. Pra quem quiser se aprofundar, recomendo fortemente os livros citados nas referências.
Fico à disposição para ler outras sugestões de temas pra coluna de história da moda aqui no blog, que outros assuntos você gostaria que eu abordasse nesse formato?
Até!
Principais referências:
Decifrando rendas, Vera Felippi
History of lace, Bury Palliser
Lace, a Sumptuous history, SFO Museum