I - Peças do guarda roupa e seus significados
Quais itens eram essenciais no guarda-roupa de uma mulher bem vestida na era vitoriana? Ainda que reparemos mais nos vestidos armados e cheios de detalhes, existiam várias outras peças que ajudavam a compor o visual feminino e podiam representar status, novidades tecnológicas e até mesmo tendências. Explorando alguns detalhes e curiosidades sobre as peças, apresento um breve guia de como uma mulher vitoriana se vestia. Nas montagens, busquei trazer exemplos de peças do início, metade e final do período para ilustrar.
Chemise
O processo de se vestir se iniciava pela chemise, que era a primeira peça a estar em contato com o corpo e por conta disso também era lavada com mais frequência. De um ponto de vista cultural, a chemise era carregada de um ar de pureza, sem apelo sexual. O que significava que não havia nada de provocante na imagem de uma mulher vestida apenas de chemise na propaganda de uma marca de sabonetes, por exemplo.
Drawers
Espécie de calçola cujas pernas são unidas apenas no cós, os drawers começaram a ser mais usadas no século XIX e já surgiram causando certo alvoroço por serem ‘imitações’ das calças masculinas, o que era considerado escandaloso em uma época onde papéis de gênero eram bem distintos. Com a chegada da crinolina, elas foram bem mais aceitas por impedir que as pernas fossem mostradas por conta do movimento da peça. Para mulheres que estavam acostumadas a ter diversas camadas de tecido em volta de sua perna, estar apenas com drawers embaixo da saia poderia ser desconfortável.
No final do século XIX aparecem as combinações, macacões feitos em linho ou seda, geralmente bem decorados e que substituíam o uso de chemise e drawers.
Meias
A partir de 1837 as meias começaram a ser tricotadas em máquinas, com algumas opções de cores. Até então o branco estava na moda mas a partir de 1850s cores vivas e padrões começaram a ser usados pelas mais jovens, ao ponto de no fim do século meias calças pretas e lisas serem vistas como algo mais conservador. A lã era o material mais indicado e com um preço razoável, meias de seda eram um luxo para poucas e uma meia ricamente decorada com bordados podia ser algo considerado sedutor, já que os tornozelos ficaram à mostra com o movimento das saias e anáguas.
Até a década de 1880 as meias eram presas por jarreteiras, mas depois começaram a ser presas por suspensórios em um cinto e depois com os mesmos presos no corset.
Idealmente chemises, drawers e meias eram peças trocadas diariamente. O mais comum é que essas peças fossem claras e simples. Uma roupa de baixo enfeitada era um grande sinal de status, assim como mantê-las sempre bem asseadas.
Corsets eram usados por mulheres de todas as classes sociais e era uma peça extremamente importante e significativa.
“Eles proporcionavam moda, naturalmente, mas para a mente vitoriana eles também proporcionam auto-respeito, sedução, conformidade social e uma série de benefícios à saúde”
Ruth Goodman. How to be a victorian, p.64
Acreditava-se que os órgãos internos das mulheres precisavam de suporte, e havia também o fato de muitas delas perderem o tônus muscular por usarem corset desde cedo. Usar um corset também facilitava a manter uma boa postura e mantinham o corpo aquecido. Apesar de uma item controverso, médicos da época apoiavam o uso do corset, e só se preocupavam com a prática do tight lacing - o uso de corsets muito apertados a fim de modificar as costelas flutuantes e afinar a cintura..
Apesar de entre 1840 e 1850 os corsets serem comumente feitos em casa a partir de 1860 isso muda, quando é desejável ter uma cintura mais fina e os corsets feitos por profissionais providenciavam isso. Também é nessa época que surgem marcas renomadas de corsets, cujas peças são extremamente elaboradas e refinadas.
A partir da década de 1890, onde as cinturas estão finas como nunca estiveram e os corsets cada vez menores, como resultado dessa discussão sobre a saúde e os malefícios do tight-lacing surgiram os chamados corset saudáveis, como eram divulgados. Alguns inclusive sendo indicados para prática de esportes.
Anáguas e outras peças de suporte
O kit básico que era usado por todas as mulheres consistia de anáguas em uma anágua de flanela e outra de algodão, mais próxima à pele. Entre 1849 e 1850 as mais fashionistas usavam mais peças para dar volume à saias, como a anágua de cordão (que era barata e fácil de confeccionar), anáguas acolchoadas, de babados, entre outras.
A crinolina foi inventada em 1856 e passou a substituir o uso de várias anáguas. Conforme meninas tinham que reaprender a sentar-se e andar por conta da crinolina, cartunistas adoravam usar a crinolina como tema de suas sátiras. O uso da crinolina inclusive movimentou a economia por conta da quantidade de aço que era utilizado em sua confecção. Ainda que pareça algo que restrinja movimentos, parte das mulheres trabalhadoras também usavam crinolinas, como costureiras. Algumas também deixavam para usar a crinolina apenas aos domingos.
Mais ao final do período surge a bustle pad, que são almofadas comumente recheadas com penas, quando a moda passa a ser saias cujo volume fica na parte de traz e com muitos drapeados
Corset covers, chemisettes, coletes e camisoles eram usadas pra esquentar, suavizar as marcas das barbatanas sob o tecido do vestido e mostrar algum detalhe no decote ou mangas. E, novamente, quanto mais enfeitadas mais status demonstravam, assim como usar mais camadas de roupas demonstrava que a mulher era ociosa e tinha uma criada para ajudá-la a se vestir.
Vestido
Finalmente, a peça que chama a nossa atenção logo de cara. Usualmente consistia em duas peças separadas, o corpete e a saia. Também era comum que a mesma saia tivesse dois corpetes diferentes, um para ser usado de dia e um para uso noturno (vestidos assim eram chamados de robe a la transformation). Haviam diversos tipos de vestido e cada um para uma ocasião distintas. Vestidos de passeio, de jantar, viagens, bailes...sem contar os trajes esportivos.
Outwear e outros adereços
Como sobreposição haviam capas, jaquetas e xales para o frio. Outros acessórios que complementavam o visual eram tiaras, chapéus, luvas, cintos, broches, entre outros. Variar os acessórios sempre foi uma boa forma de dar uma cara nova a um visual repetido e as vitorianas seguiam isso.
E assim temos um traje completo! Certamente não é possível abranger com detalhes a moda de décadas em apenas um post, a intenção foi apresentar de forma breve os principais itens que são necessários na recriação histórica e trazer algumas curiosidades sobre eles. Espero que tenham gostado e logo volto com a parte II, falando sobre a confecção dessas peças.
Referências:
GOODMAN, Ruth. How to be a victorian. Londres: Penguin Books, 2014