Voltamos com atualizações do Traje Brasilis! Mudando um pouco a ordem proposta no Projeto de Pesquisa, irei começar com o relato de como eu fiz o traje exterior. Acredita-se que o Carlos Julião passou pelo Brasil durante a década de 1780s e o estilo das roupas também indicam isso. Pra fazer meu traje levei em consideração não só a ilustração do artista mas também peças semelhantes, encontradas em acervos de museus ou outras pinturas da época. Acompanhe como foi o processo:
Modelo e referências
Carlos Julião |
A figurinha que peguei para reproduzir é a número 3, que está na prancha XXII. O traje é composto por saia, jaqueta, fichu, egangeantes, e o capote, além de acessórios menores. Ao que tudo indica, ele era o traje de uma mulher de classe média que vivia em um ambiente urbano. Na mesma página aparece a mesma personagem em diferentes trajes.
Molde e corte:
Digital Museum |
O molde da saia são dois painéis retangulares, como eram as da época. Na ilustração a jaqueta aparenta ter um recorte na linha da cintura, mas eu não achei exemplos de museus que tivessem um efeito parecido, então optei pelos babados formados a partir de nesgas. O molde da jaqueta é baseado em dois modelos de museus, o Digital Museum e o Victoria and Albert Museum. Tracei o meu baseado nesses dois, adaptando pras minhas medidas e acrescentando uma nesga na parte da frente pra realçar o efeito de 'babados'.
O fichu é um corte triangular, me baseei no molde do American Ducchess mas tive que aumentar alguns centímetros pra ficar como eu queria. O capote é basicamente um corte de 2m por 1,5m, drapeado no meu corpo com a ajuda de um cordão na cintura.
O molde das egangeantes foi desenvolvido por mim, baseado em alguns modelos de museus que foram preservados descosturados.
Costura e acabamentos:
A ideia era que o traje fosse o mais historicamente possível em seu visual, então todas as costuras externas foram feitas à mão utilizando pontos históricos, e as internas na máquina de costura para poupar tempo.
Jaqueta
Digital Museum e Victoria and Albert Museum |
A jaqueta é feita em viscolinho, com forro em viscose. Montei a jaqueta primeiro aplicando as nesgas na parte da frente, reforçando por dentro com entretela e por fora com um reforço do mesmo tecido. Depois uni as laterais, passei a costura e apliquei a manga. O processo do forro foi o mesmo, mas acrescentei um pedaço maior de entretela e coloquei uma tira com ilhoses pra fechar com amarração na frente. Uni as duas partes à mão usando um ponto da época.
Saia
Digital Museum, Modemuze |
A saia é feita no mesmo tecido que a jaqueta, e a construção é bem simples. Primeiro uni as laterais com costura francesa, deixando uns 20cm na parte de cima aberto pra alcançar o bolso, essa parte eu finalizei com pontos à mão. Depois pregueei a frente e costas para que cada parte ficasse um pouco maior que 1/2 da minha cintura, e então apliquei o cós e as fitas de gorgurão. A barra também foi feita à mão, em ponto corrido.
Fichu
Met Museum e DeWitt Wallace Decorative Arts Museum |
O fichu é feito em uma tricoline beeem levinha, e a única coisa que fiz foi fazer a barra nela, também usando ponto corrido à mão.
Capote/capelo
Duche de Farney, Duche de Vancy, Carlos Julião |
Historicamente, os capotes açorianos seriam feitos em lã, mas escolhi uma viscose que tinha um aspecto semelhante a uma lã fria. Resolvi utilizá-lo de forma drapeada, como nas referências que vi. Fiz a barra no tecido e acabei nem fotografando o processo, e então drapeei no meu corpo na hora de vestir, usando um cadarço.
Egangeantes
Augusta Auctions, LACMA |
Para as egangeantes eu utilizei uma lese de algodão, já que minhas habilidades de bordado não eram suficiente para bordar o tecido do zero, rs. O molde foi feito à mão livre, levando em consideração o formato que eu via nas peças de museus e alguns testes que fiz para ver se o resultado me agradava. Então, cortei o molde no tecido e recortei os bicos da renda para simular um barrado bordado. Para fechar a peça, franzi a parte de cima, apliquei os punhos, passei um elástico por dentro e então fechei as laterais com costura francesa.
Resultado final:
Espero que vocês tenham gostado! Em breve, terá um vídeo no meu canal mostrando também o processo, e outros conteúdos relacionados a esse projeto.
Para saber mais:
270 anos da presença açoriana em Santa Catarina
Como uma mulher se vestia no século XVIII
Recriação histórica aplicada à história da moda
Principais referências:
A History of Costume, Carl Köhler
American Guide to 18th century sewing, Abby Cox e Lauren Stowell
Costume in detail:1730-1930, Nancy Bradfield
Para vestir a cena contemporânea: moldes e moda no Brasil do século XVIII, Fausto Viana
1780s, The maids and mistresses short gowns - The Eye of the Needle
A mulher do capote - Made in Azores
Figurinhas de brancos e negros: Carlos Julião e o mundo colonial português - Teses USP