sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Como uma mulher do século XVIII se vestia: parte II

Parte II: Os estilos usados no século XVIII


   Dando continuidade à série de posts sobre como uma mulher se vestia no XVIII, chegou a vez de falar sobre vestidos. Nessa época temos vários modelos, que não só foram mudando de acordo com a época mas também coexistiam, fazendo com que fosse possível observar vários estilos diferentes numa mesma década. Vamos conhecer alguns deles:

Mantua 


mantua século xviii
   Inicialmente chamado de robe de chambre no início do século, quando os vestidos eram mais soltos no corpo. Esse excesso de tecido passou a ser pregueado para dar formato ao corpete e formando uma cauda na parte de trás, dando origem ao mantua. Por ser um modelo usado na corte, o pannier estava presente. 


Volante (sacque)

vestido volante
   Foram mais populares entre 1700-1715, o vestido possuía duas variações de nome. Era cortado em duas peças - frente e costas - e as mangas possuíam pregas. Podia ser usado todo solto ou com uma faixa na cintura. O pannier continuou sendo utilizado para armar vestido.

Vestido de corte (grand habit)


vestido de corte século xviii
   É um dos modelos que mais vemos em retratos de nobres franceses. Suas principais características eram o corpete rígido pelo uso de inúmeras barbatanas, com mangas feitas a partir de babados de renda. Era imprescindível os grand panniers e uma cauda atrás do vestido. A peça era de uso obrigatório pela nobreza na corte.

Vestido à polonesa (robe a la polonaise)


vestido à polonesa século xviii
   Modelo que surge na segunda metade do século. Tinha o corpo mais solto e não possuía costura na cintura. Suas características principais consistiam em ser abotoado na frente, possuir uma abertura que mostra a saia de baixo e a parte de trás da saia repuxada formando três gomos drapeados, com mangas lisas e justas, seguindo a curva do cotovelo.

Vestido à inglesa (robe a la anglaise)


vestido à inglesa século xviii
    Aparece em 1770s com a anglomania que estava em voga na Europa. Era o vestido mais usado no cotidiano, por seu aspecto mais casual. O corpete do vestido - que agora era separado da saia - era cortado bem justo ao corpo. O volume da saia é distribuído por pequenas pregas e se concentram na parte de trás, e os panniers dão lugar a bumpads, que são pequenas almofadas usadas sob a saia para armá-la.

Vestido à francesa (robe a la française)


vestido à francesa século xviii
    O vestido à francesa é uma evolução do sacque, que perde seu volume. A parte da frente era aberta e alinhada à cintura, utilizado junto de um peitilho. Atrás, as sobreposições de pregas formam uma cauda. O vestido à francesa costumava ser ricamente decorado com pregas, babados, rendas, flores falsas e ornamentos variados.

Traje de Montaria


traje de montaria século xviii
   Era inspirado em peças do guarda roupa masculino e trazia versões de coletes e casacas, sendo combinados com chapéus do tipo tricórnio. Durante a segunda metade do século XVIII torna-se um item essencial no guarda-roupas feminino. O conjunto consistia de jaqueta, saia e muitas vezes colete. A parte de cima deixava a chemise ou uma uma camisa de montaria à mostra.

Chemise a la reine


chemise a la reine
   Popularizado na frança por Maria Antonieta, o vestido causou polêmica por se assemelhar a uma roupa de baixo. Era uma peça leve feita a partir de tecidos finos como a musselina e extremamente franzidos, as mulheres que vestiam chemise a la reine muitas vezes dispensavam o uso de stays ou outras armações por baixo

Casaquins

casaquin século xviii
   Inicialmente chamado de negligée, são vestidos à francesa ou polonesa curtos, na altura dos quadris, que se tornam populares na década 1770. O pierrot é a jaqueta mais justa no troco. O conjunto pode tanto ser feito inteiramente em um tecido só como ter as duas peças em cores diferentes.

Camponesa


jumps século xviii

   Altamente idealizado em pinturas bucólicas e utilizado até mesmo por Maria Antonieta no petit trianon, esse modelo costumava mostrar mulheres usando saias curtas, acompanhadas de coletes (jumps) que mostravam volumosas chemises. 


   Esse foi um guia visual para apresentar brevemente os estilos de vestidos mais populares no século XVIII, é possível para muito sobre cada um desses temas, mas fica pra um próximo post. Que outra época você gostaria que eu abordasse nessa série do 'Como uma mulher do século... se vestia'?

Referências:

História do vestuário no ocidente, François Boucher
The cut of women’s clothes, Norah Waugh
Para vestir a cena contemporânea, Fausto Viana e Isabel Italiano
Walking amazons, Cally Blackman
A modista do desterro: “Robe a la o quê?” - A Mantua inglesa
A Modista do desterro: Robe de cour - o uniforme da corte em versailles do século 18

sábado, 26 de outubro de 2019

Fazendo jumps: o colete feminino do século XVIII

   Sabe quando você está afim de projeto fácil e rápido pra ter um traje setecentista novo? Eu estava afim de algo assim e resolvi fazer um jumps pra compor com outras peças que eu já tinha aqui no meu acervo. Vou compartilhar aqui o processo com vocês:

juliana lopes - século XVIII


O que são jumps

   Os jumps são uma espécie de colete feminino usados no século XVIII. Proporcionavam um leve suporte ao tronco de forma mais confortável que os stays e também aqueciam a mulher. Apesar de serem peças comumente usadas por baixo de outras roupas também era possível encontrar mulheres usando jumps por cima da chemise sem outra peça por cima, em ambientes mais casuais. Para as  que precisavam de mobilidade para trabalhar e fazer tarefas do dia a dia usar jumps eram uma ótima opção.

  O nível de decoração e materiais utilizados variava bastante, encontramos peças bordadas e em seda e também outras sem nenhum tipo de enfeite. Na segunda metade do século XVIII o algodão estampado torna-se popular. Tendo menos barbatanas que os stays, era importante que os tecidos fossem mais rígidos e encontramos vários exemplos que são acolchoadas e com costuras decorativas.

Modelo:

coletes do século xviii

   Para o meu, eu buscava principalmente algo que fosse florido e tivesse fitas na frente por motivos de...laços, eu queria vários laços. Acabei encontrando algumas referências em museus que tinham as características que eu buscava e a partir disso desenhei meu modelo. 

Molde e corte:

molde de jumps - século XVIII

   O  molde não poderia ser mais simples, já que os jumps não tinham muitos recortes. O que marca a modelagem desse tipo de peça no século XVIII é a costura do ombro deslocada para a parte das costas e as abas para acomodar o volume dos quadris. A frente é feita em um painel inteiriço e as costas divididas em 4 partes. 

Costura e acabamentos: 

fazendo jumps - século XVIII

   A intenção inicial era colocar manta acrílica entre as camadas externas e de forro mas achei que acabou ficando volumoso demais, então desisti da ideia. Pra manter a peça estruturada optei por colocar barbatanas no forro. Talvez não a opção mais historicamente correta, mas era funcional. 

fazendo jumps - século XVIII

    Para a parte externa escolhi um brim estampado num padrão de floral médio, que remete às estampas da época. O forro dificilmente seria feito em um tecido com brilho mas escolhi assim para aproveitar um corte que eu já tinha aqui em casa. Pelo que vi em exemplos de museus fitas e decorações em tons contrastantes com o tecido era um detalhe que agregava um certo charme. 

fazendo jumps - século XVIII


   Ele foi inteiramente costurado à máquina, o que novamente é uma escolha anacrônica mas ia de encontro com o que eu queria, um projeto rápido de fim de semana. Costurar o viés em partes tão curvas à máquina pode ser complicado, mas um pouco de paciência resolveu.

Resultado

Juliana Lopes - traje do século XVIII

   Eu gostei de como ficou! Talvez numa segunda tentativa faria a peça com materiais mais historicamente corretos, mas do jeito que está acho que ficou bom para ensaios ou eventos mais casuais. O bacana desse tipo de peça é poder recombinar com outras peças e assim consigo construir um guarda-roupa histórico versátil, que me permita ter vários visuais diferentes. 

    Com o projeto do Traje Brasilis vocês vão ver mais do século XVIII por aqui, fiquem atentos! Tenho gostado bastante de explorar esse período. 

    Sintam-se a vontade pra sugerir outros temas para posts futuro e nos vemos na próxima! 

Principais referências: 

Angela Clayton - Making 18th century jumps 

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Como as roupas de Maria Antonieta decidiram seu destino

Maria Antonieta da Áustria, 1767
Maria Antonieta da Áustria, 1767

"Ser a mulher mais a la mode de todas parecia [a Maria Antonieta] a coisa mais desejável que se poderia imaginar; e essa fraqueza, indigna de uma grande soberana, foi a única causa de todos os defeitos exagerados que o povo tão cruelmente lhe atribuiu." Condessa de Boigne

  Quando pensamos em Maria Antonieta logo lembramos de seus chamativos penteados, não? Chamar atenção pelo seu visual e ser um ícone de moda enquanto esteve na França são alguns aspectos que mais se comentam sobre ela. Mas também é possível dizer que as decisões de Antonieta relacionadas à moda determinaram o seu destino. A biografia escrita por Weber trata basicamente da relação da Maria Antonieta com a moda e suas consequências, e nesse artigo destaco alguns pontos dessa trajetória.

Despida e amarrada 

  Sendo enviada para França em 1770 aos seus 13 anos para ser a noiva do delfim e futura rainha, uma quantidade enorme de protocolos a cercava, mesmo na hora de se vestir. Saía de seu controle que roupas vestir, quem as colocaria em seu corpo e até mesmo as ocasiões em que essas peças seriam usadas. 

  De origem Austríaca, antes mesmo de ser apresentada ao delfim com quem iria se casar, ela teve que deixar todos os seus pertences antes mesmo de passar a fronteira do país, pois para se tornar a delfina precisava não só se portar como francesa, mas também era imprescindível que se vestisse como uma.

"De fato, para os residentes de Versailles, roupas e outros emblemas aparentemente superficiais continuavam a ser medidas concretas de sucesso...ou fracasso." Caroline Weber

Maria Antonieta aos 16 anos, 1771
Maria Antonieta aos 16 anos, 1771

  Essa adaptação não foi fácil e muitas vezes Antonieta se rebelou contra as regras e protocolos da corte. Suas primeiras revoltas em relação ao vestuário envolveram deixar de lado o uso do espartilho, peça com a qual não estava acostumada. Uma outra afirmação de que ela estava disposta a ser diferente consistiu em usar trajes de inspiração masculina para cavalgar, o que foi suficiente pra causar um grande escândalo na época. Muito se comentava sobre as inclinações amazonas da delfina,  e como isso podia fazer mal e prejudicar uma futura gestação, assunto de suma importância para o país. Essas escolhas estéticas deixaram a delfina que já era hostilizada por ser estrangeira ainda mais impopular. 

Ícone de moda 

 Durante o século XVIII a profissão de costureiro era reservada a homens, o que as mulheres costumavam fazer era cuidar de acessórios, enfeites e afins. Rose Bertin foi uma das primeiras mulheres a criar vestidos e ter uma loja própria, e fez muito sucesso em Paris vestindo mulheres ricas e influentes, o que a fez ser apresentada à Maria Antonieta em 1772.

Ilustração de moda com a  rainha como modelo, 1779
Ilustração de moda com a  rainha como modelo, 1779

  Não se sabe ao certo quando exatamente Antonieta gastava com Bertin porque seus livros de contas não sobreviveram ao tempo, mas é certo de que eram quantias enormes, visto que então rainha recebia Bertin em seu palácio até duas vezes por semana para saber das novidades em relação à moda.

  Essa parceira - que lhe rendeu o apelido de Ministra da Moda na época -  alavancou ainda mais os negócios de Rose Bertin, que chegou a usar manequins que se assemelhavam à Maria Antonieta para exibir seus modelos.

Entre poufs e pães

  Um outro grande parceiro de Antonieta foi seu cabeleireiro favorito, o Monsieur Léonard. Ele é considerado o inventor do pouf, penteado que a rainha popularizou e imortalizou como sua marca. Esses penteados altíssimos e empoados muitas vezes tinham um tema expressado pelos acessórios, e mesmo sendo custosos em alguns períodos Antonieta montava um pouf diferente a cada dia.

Pouf que Maria Antonieta usou em homenagem à independência americana,  que foi conquistada com a ajuda de navios franceses em 1779
Pouf que Maria Antonieta usou em homenagem à independência americana,
que foi conquistada com a ajuda de navios franceses em 1779

"Onde antes inspiravam admiração e reverência, as 'plumas e babados' de Maria Antonieta suscitavam agora questões sobre sua disposição ou capacidade de considerar 'coisas mais sérias'."
Weber

  Em meio a isso tudo o país começa a entrar em crise. E, como costuma ocorrer nesses casos, é a população mais pobre que sente primeiro a escassez enquanto a nobreza ainda tenta manter seu estilo de vida ostentoso. Esses gastos e mudanças constantes de vestuário começaram a incomodar o povo, que estava cansado de ver a nobreza ser sustentada às custas de altíssimos impostos cobrados da população. Em uma das revoltas dos franceses onde protestavam pelo aumento do preço do pão chegou-se  a culpar a rainha pelo uso exagerado de farinha em seus penteados. É nesse episódio que surge o boato - já desmentido - de que Maria Antonieta disse que se o povo não tem pão, que comessem brioches.

  A pressão para que ela controlasse seus gastos aumentava a cada dia e fez até mesmo com que seu marido - o rei Luís XVI - pedisse à Antonieta que ela diminuísse seus gastos com roupas e penteados, e sua resposta foi que se ela parasse de gastar com roupas, 200 estabelecimentos teriam que fechar as portas no dia seguinte.

A rainha camponesa 

  Porém, ainda assim, em 1778 Maria Antonieta ganha de presente o Petit Trianon como presente por ter dado a luz a seu primeiro filho e resolve se mudar para lá. Nesse pequeno palácio com um ar mais rústico passa a adotar um estilo de vida mais simples, o que novamente impactou seu vestuário.

retratos de Maria Antonieta por Vegée

  Nessa fase de sua vida, ela aboliu elementos que a identificavam como uma aristocrata, como os espartilhos, armações, tecidos pesados. Essa atitude revoltou a muitos por dois motivos: era uma absurdo que a Rainha da França privasse a nobreza de vê-la e patriotas a acusavam de prejudicar o mercado nacional porque o tecido utilizado em seus novos vestidos - a musselina - era importado, ao contrário da seda que era produzida no país.

  Como se não bastasse, em 1783 Elizabeth Louise Vigée a retratou no vestido que passaria a ser conhecido como Chemise a la Reine (camisola à Rainha, em tradução livre), o que escandalizou a todos por mostrar uma pessoa tão importante em trajes que lembravam camisolas e roupas de baixo. A repercussão foi tão negativa que logo depois Vigée fez uma outra versão do mesmo retrato, dessa vez com um vestido que seria considerado mais adequado para seu status social. 

Confinada 

Maria Antonieta na prisão Temple, 1793
Maria Antonieta na prisão Temple, 1793

  A situação na França se tornou ainda mais complicada o que resultou na Tomada de Bastilha e consequentemente a Revolução Francesa, em 1789. Nesse momento a família real é presa e os bens presentes em Versailles depredados ou saqueados.

  Mesmo em um momento puramente político a moda ainda teve seu papel: É simbólico o fato de que quando a população revoltada tomou o palácio de Versailles, fizeram questão de destruir todo o guarda roupa de Maria Antonieta uma clara mensagem de ódio a algo aparentemente inofensivo como roupas.

  Em seu confinamento, sem cabeleireiros e costureiros o visual da rainha passou a ser extremamente básico, e mesmo assim ela tentava manter uma aparência digna, com roupas limpas na medida do possível, o cabelo com o penteado simples, e vestes de luto quando foram necessárias. Mesmo no período mais difícil de sua vida Maria Antonieta sabia do poder que seu visual tinha. Esse esforço não passou despercebido aos olhares de quem a vigiava, e guardas eram instruídos a serem cada vez mais rígidos, seja não deixando com que ela tivesse privacidade ao se vestir, seja revistando itens de vestuário e costura que entravam na cela e podiam conter mensagens conspiradoras.

  Tendo que lidar com a morte de entes queridos, definhando de doença e então condenada à morte, Maria Antonieta sobe à guilhotina para ser executada em um vestido completamente branco, simples e austero, sua última afirmação de moda.

"Em seu último dia na França, como no primeiro, todos os olhos estariam fixos nela." Weber

Considerações finais 

  Sendo impossível abordar a vida de Maria Antonieta inteira em apenas um artigo e muito menos todo contexto histórico que resultou na revolução francesa essa sequer era minha intenção. Trago aqui um recorte, uma abordagem focada no micro ambiente que eram as roupas da Maria Antonieta, os aspectos que influenciaram o que ela vestia, como a sua forma de se vestir influenciou como ela era vista, e consequentemente, como toda a sua relação com moda a tornou extremamente impopular e definiu seu destino.

  É impossível isolar a Moda de uma época de seu contexto histórico, e estudar a moda do século XVIII revela muito sobre gênero, classe social, economia, política...a moda perpassa por todos esses aspectos, e como diz uma frase creditada a  Louis XIV:

"A moda é o espelho da história."

  Encerro aqui esse artigo e recomendo a todos que se interessam pelo assunto a leitura do livro da Weber. 

Bibliografia:

WEBER, Caroline. Maria Antonieta: como a rainha se vestiu para a Revolução. Rio de Janeiro: Zahar, 2008

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Se arrume comigo: edição vitoriana

    Como uma mulher se vestia na era vitoriana? Eu já tinha trazido temas típicos de blogueiras de moda mas pra falar de reconstrução histórica como 1 peça, 3 looks: edição vitoriana, e dessa vez para o 1o vídeo do canal mostro as camadas que faziam parte de um traje feminino de 1880s. Acompanhe:



Se gostou inscreva-se  para acompanhar os próximos vídeos por lá! Também sintam-se a vontade para sugerir outros temas.

domingo, 18 de agosto de 2019

Traje Brasilis: Projeto de pesquisa

     Vestindo a história do Brasil.


   Ultimamente minhas pesquisas têm sido mais focadas no século XVIII e é por um motivo: eu estou participando do Traje Brasilis, um projeto que visa estudar a história da moda brasileira e reconstruir os trajes da época.  

   Nessa primeira etapa, o recorte é o século XVIII, e faremos isso a partir do estudo das aquarelas do Carlos Julião um militar italiano que passou pelo Brasil e registrou o que era usado por pessoas de diversas camadas sociais no rio de Janeiro no final do século XVIII. Para saber mais sobre o projeto, recomendo dar uma olhada no site oficial e também no perfil do instagram


Definindo a recriação história:

"Na falta de um conceito acadêmico, propomos o nosso: produzir uma peça a partir de registros reais (um traje original ou uma referência visual da época), buscando a maior aproximação possível com a modelagem, estrutura de suporte interno, materiais utilizados e técnicas de costura e decoração do período." Pauline Kisner

    Estudar história da moda também é estudar seu contexto histórico, afinal a moda não existe de forma isolada, ela é um fenômeno social que compreende mudanças cíclicas em costumes e hábitos de forma coletiva. Essas mudanças não são definitivas e em muitos momentos da história foram praticamente obrigatórias.

“A história do vestuário não é um simples inventário de imagens, mas um espelho do articulado entrelaçamento dos fenômenos socioeconômicos, políticos, culturais e de costume que caracterizam determinada época.” Daniela Calenga

    Portanto a pesquisa para reconstrução do meu traje irá também incluir aspectos não só de história da moda e costura histórica mas também a história social e da vida privada do Brasil Colônia. Meu objetivo com a pesquisa é entender o modo de vida do Brasil Colônia a partir da reconstrução da vestimenta de uma mulher da época. 

Meu traje: 


    A figura que escolhi reproduzir é a numero 03 da prancha XXII, descrito no livro como vestido amarelo-avermelhado com uma sobressaia preta, aberta na frente, tenho razões para acreditar que na verdade trata-se de um conjunto de saia e jaqueta com um longo manto preto. Reproduzirei tanto a jaqueta, saia e fichu mas também os trajes de baixo: chemise,stays, meias, bolsos, jarreteiras e bumpads. A ideia é seguir a reconstrução o mais historicamente fiel quanto for possível.

Metodologia:

    Minha participação no projeto seguirá os seguintes passos:

- pesquisa bibliográfica sobre a moda e o contexto histórico do recorte escolhido
- levantamento de fontes de pesquisa sobre a costura histórica do século XVIII
- reconstrução das peças que compõem o traje
- apresentação final do projeto com as outras pesquisadoras

    A ideia é que toda a pesquisa realizada seja registrada, para que sirva de referência a outros pesquisadores no futuro. Queremos estimular a pesquisa sobre a história da moda nacional e o compartilhamento entre pesquisadores da área. 

Fundamentação teórica: 


As principais fontes bibliográficas que serão utilizadas por mim em minha pesquisa são: 

História da vida privada no Brasil - Fernando A. Novaes e Laura de Mello e Souza
História social da moda - Daniela Calenga 
Para vestir a cena contemporânea: moldes e moda no Brasil do século XVIII - Fausto Viana e Isabel C. Italiano
Rainha da moda: Como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução - Caroline Weber
Riscos Illuminados de Figurinos de Negros e Brancos dos Uzos do Rio de Janeiro e Serro Frio - Carlos Julião 
The American Duchess Guide to 18th Century Dressmaking - Abby Cox e Lauren Stowell
The cut of women's clothes - Norah Waugh 

Cronograma: 

Estou planejando seguir esse projeto da seguinte maneira: 

Agosto - Outubro: pesquisa da fundamentação teórica 
Outubro - dezembro: confecção das peças de baixo
Janeiro - maio: produção das peças externas e finalização do traje 
Junho de 2020: apresentação final da pesquisa

Em resumo é isso, estou empolgadíssima com esse projeto e esse post é só o início, ainda virão muitos outros relatando minhas pesquisas e progressos, espero que gostem. 

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Como uma mulher do século XVIII se vestia: Parte I

Parte I:  as roupas de baixo

meias e jarreteiras do século xviii

   Como  era a lingerie no século 18? Seguindo com os posts sobre como as mulheres se vestiam em outras épocas, o de hoje é sobre a moda durante todo o século XVIII, período que inclui o queridíssimo rococó. Trajes históricos costumam ser feitos sob camadas e durante o século XVIII não era diferente. Apresento aqui algumas das peças que iam por baixo daqueles belíssimos vestidos que eram vistos em Versailles.


Chemise
Chemises do século 18

    Também chamada de shift, é a primeira peça que entra em contato com o corpo, e durante todo o século XVIII essa peça não mudou muito, consistindo de um camisolão longo comumente feito em linho, com negas nas laterais, decote profundo e mangas na altura do cotovelo. Era a peça que protegia as roupas da oleosidade do corpo e portanto a chemise era  lavada com frequência. 

Stays
stays do século 18

   Proporcionava suporte ao tronco, elevando o busto e proporcionando uma silhueta cônica. As barbatanas eram de baleia e podia ser tanto decorado e em tecido finos como em tecidos simples e sem enfeites. Os stays geralmente iam até a cintura e possuíam abas para acomodar o quadril e ajudar a manter as saias no lugar. Já escrevi um artigo focado em stays, que você pode conferir aqui no blog

Meias
meias do século 18

   Geralmente feitas em seda ou lã, a modelagem das meias seguia o contorno das pernas e o comprimento ia até a acima do joelho. Era comum também que elas tivessem bordados próximos ao calcanhar.

Jarreteiras
jarreteiras do século 18

   Para segurar as meias no lugar era necessário usar as jarreteiras, que são como ligas de pernas. Elas eram ricamente decoradas e o mais comum era que fossem amarradas com fitas, mas ao fim do século já começaram a surgir outros tipos de fechos, como fivela. Para saber mais sobre a história dessa peça e como fazê-la você pode acessar esse outro post.

Bolsos
bolsos do século 18

   No século XVIII, os bolsos dos trajes femininos eram uma peça a parte, que ia sob a saia. Podia ser decorado com bordados, em tecidos lisos ou até mesmo trabalhados em patchwork. Ele era acessado por fendas na saia e assim as mulheres podiam guardar pequenos objetos pessoais.

Suportes para as saias

   Para armar a saia e deixá-la na silhueta desejável usava-se dois tipos de suporte, os bumpads e os panniers. Bumpad eram almofadas presas em volta da cintura; garantiam volume de uma forma mais casual e prática. Já os panniers eram peças de uso mais formal, principalmente em bailes, na corte e afins. Podiam ser inteiriços como o grand pannier ou separado em duas partes como os pocket hoops.

Anágua
anáguas do século 18

   Algumas eram ricamente decoradas para serem usadas sob saias, mas também haviam os modelos mais simples. Modelos acolchoados eram uma opção para aquecer as mulheres no inverno e acrescentar um volume discreto à saia.

Fichu

   Usado durante o dia e muito comum entre mulheres inglesas, o fichu era um lenço de musselina usado no decote, por modéstia ou para aquecer. Em mulheres da classe trabalhadora, essas peças também eram usadas para proteger a pele do sol. 

   É possível perceber como ainda que essas peças não fossem ser vistas, costumavam ser decoradas. Esse é um dos motivos que me fazem ser apaixonada pela moda no período rococó, a atenção aos detalhes é impressionante! Esse foi um breve guia de algumas das peças que eram usadas e suas principais características. Na próxima parte trarei os estilos utilizados e acessórios que ajudavam a compor o traje. 

    Gosta desse formato de post? Sinta-se livre para sugerir outros temas e épocas que você gostariamde ver aqui no blog! 

Referências: 
The history of underclothes,  C. Willett Cunnington 
Corset and crinolines, Norah Waugh
National museums Liverpool: Getting dressed in 18th century

Leituras recomendadas: 
Stays no século XVIII: o que são e como eram feitos 
Desafio de costura histórica: jarreteiras 
Uma breve história da lingerie 

terça-feira, 4 de junho de 2019

A moda na época de Jane Austen

Elizabeth Bennett
    Jane Austen foi uma autora inglesa que viveu entre 1775 e 1817. Esse período na moda é chamado de Diretório e Império. Como era a moda dessa época? E como ela se relacionava com o contexto histórico da Inglaterra no início do século XIX? É sobre isso que vamos falar hoje, começando com algumas definições:

Diretório

   O que marca o início do Diretório são as mudanças que acontecem na França, que culminam na revolução francesa em 1789. Com a rejeição da população pela aristocracia começa também a busca por uma nova forma de se vestir que se distancie do que é visto na corte. Sendo a França um país influente na moda, o que é usado lá passa a ser adotado em outros países também, como a Inglaterra.

Moda do período Diretório
  Durante o Diretório roupas mais leves passam a aparecer, panniers (anquinhas laterais) são abandonadas e sedas estruturadas e bordados dão lugar a vestidos mais leves em algodão. Essa mudança também acontece na moda masculina, à medida que eles também preferem roupas que sejam mais simples e menos luxuosas. Até mesmo a roupa de baixo torna-se mais leve, com o uso de poucas anáguas e corsets mais curtos.

  A Inglaterra era uma grande produtora de musselinas no fim do século XVIII o que ajudou a popularizar esse novo estilo, de peças mais finas e esvoaçantes.

Império


Moda do período império
    A moda durante o período Império é baseada em ideais neoclássicos, e as características principais do vestido são a cintura logo abaixo do busto e a silhueta mais longilínea. Alguns vestidos eram tão finos que chegavam a ser transparentes. Também eram comuns mangas bufantes, barrados bordados e tons claros, já que a tecnologia para o branqueamento de tecidos era mais barata e tornava possível vestidos ainda mais brancos. Já descrevi mais a moda do período império aqui.

O dandismo

Estilo dandy
   Na moda masculina durante o início do século XIX surge o dandismo, corrente estética que pregava a elegância e simplicidade na vestimenta dos homens e também ditava modos e etiquetas. Casacas bem ajustadas, calças longas, cartola e cravats estavam entre os principais itens que um homem elegante deveria vestir. Esse modo de pensar foi popularizado por Beau Brummell e continuou presente durante várias décadas seguintes, influenciando até mesmo Oscar Wilde, por exemplo.

 E qual a relevância da moda nas obras da Jane Austen?

   Uma característica que marca as obras da Jane Austen é a forma como ela detalha e analisa as convenções sociais da época, num período em que etiqueta e reputação eram importantíssimos. A moda tem um grande papel nesse contexto. Livros de etiqueta descreviam códigos ao se vestir e um deslize nessa questão poderia suscitar comentários.

Mr Darcy no lago
  Em Orgulho e Preconceito existem duas cenas marcantes que se relacionam ao vestuário. Em primeiro lugar, Elizabeth Bennett que visita sua irmã depois de caminhar vários quilômetros e aparece com a barra de seu vestido suja de lama, o que é considerado um absurdo. E uma das cenas mais icônicas da adaptação da obra pela BBC em 1995 tem muito a ver com vestuário também, a cena em que Mr. Darcy é visto pela Elizabeth saindo do lago usando apenas camisa.

    Essa cena é interessante, ainda mais quando paramos pra analisar que até o século XIX as camisas masculinas eram consideradas roupas de baixo, via-se muito pouco delas (geralmente punho e golas); além de também serem um símbolo de status social. Um personagem arrogante e em uma posição elevada como Mr Darcy - um clássico exemplo de dandy - aparecer usando apenas camisa e calça o deixa em uma posição extremamente vulnerável, o que achei uma ótima sacada dos figurinistas da série, considerando o enredo.

Concluindo

Orgulho e Preconceito 1995
    A moda não existe sem um contexto, ela é um reflexo da sociedade, tecnologias e costumes de um período. É algo vivido pelas pessoas em seu dia a dia, então não é de se surpreender que é um assunto que apareça em produções históricas, ainda mais que o figurino ajuda na construção de um personagem. 

    Acho bem interessante ir relacionando aspectos da história da moda ao contexto histórico da época em questão. Ver como mudanças na política, indústria e comerciam afetam o que as pessoas vestem, como o que alguém veste pode definir sua posição em uma sociedade.

   Minha intenção é trazer cada vez mais conteúdos do tipo aqui pro blog, vocês estão gostando? Sintam-se livres para sugerir mais temas também. 

Leituras sugeridas:
Como era a moda no período império - Sociedade Histórica Revivalista

Bibliografia:
História do vestuário no ocidente, François Boucher
Rainha da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para revolução, Caroline Weber


segunda-feira, 8 de abril de 2019

Uma breve linha do tempo do corset

    A peça que chamamos de corset hoje sofreu diversas mudanças ao longo do tempo. Com a principal função de sustentar o corpo e delinear a silhueta desejada, o corset (com seus diversos nomes) esteve presente na moda feminina desde 1500 até o início do século XX. São séculos e séculos de história e minha intenção aqui é apresentar os principais aspectos que diferenciam uma época da outra sem ser demasiadamente descritiva.  


    É no fim da era medieval que as roupas femininas passam a contornar mais o corpo, e com o renascimento começamos a ver peças cada vez mais estruturadas, que não só contornavam o corpo como moldavam-no surge então os primeiros 'corsets'.

Período Tudor (1500-1600)


    As primeiras peças que cumpriam essa função de dar suporto ao tronco foram os pair of bodies ou pair of stays, que surgiram durante o século XVI. Estamos aqui no início da história da moda propriamente dita, e a elite buscava uma vestimenta que a diferenciasse. Sendo assim, um tronco alongado e postura ereta era uma forma de demonstrar poder, e o pair of bodies contribuía para que essa silhueta fosse alcançada. Com barbatanas de baleia em volta de toda a peça e na parte da frente uma placa de madeira (busk) que era utilizada para manter a peça rígida, nem sempre possuíam forro e tinham ilhós para manter a anágua no lugar. Existem poucos registros de pair of bodies originais que tenham sobrevivido ao tempo, mas aparentemente as peças não possuíam decorações. Foi nessa época também que surgiram aqueles corsets de ferro que vemos por aí, mas seu uso era ortopédico. 

Barroco (1600-1720)


    O barroco na moda acontece por volta do século XVII e se estende até o início do século XVIII. Nessa época o stays cai em desuso, e era o corpete do vestido que recebiam as barbatanas para deixá-lo rígido e estruturado. 

Rococó (1720-1770)


    Aqui, a linha do busto dos vestidos se torna cada vez mais baixa, e os stays vão só até a linha dos mamilos. A silhueta é cônica e vemos modelos com e sem abas na parte de baixo, que serviam para evitar que a anágua escorregasse. Também é nessa época que se torna mais comum os stays com amarração frontal, que facilitava na hora de vestir. Podiam ser peças simples ou ricamente decoradas. Já abordei stays do século XVIII anteriormente, e vocês podem conferir o post aqui

Diretório (1770-1800)


    Depois da revolução francesa a moda muda drasticamente, e a busca é por roupas que sejam menos restritivas e mais leves; E consequentemente as roupas debaixo acompanham essa mudança. Surge então o short stays, que são modelos mais curtos cuja função é sustentar os seios sem comprimir a cintura. O padrão de beleza também passa a ser seios separados e 'em bandeja'. 

Império e Regência (1800-1890)


    Ainda leves, os stays voltam a ser compridos. É possível observar também que o uso de barbatana se reduz ou até mesmo é substituído por barbantes. As decorações são mais discretas, e constituem em bordados ou o uso de tecidos coloridos. 

Era vitoriana inicial (1830-1850)


    Também chamada de romantismo, o início da era vitoriana traz a volta do traje em duas peças, e voltamos a ver saias armadas em contraste com corpetes ajustados. Aqui 'corset' passa a ser o nome mais usado pra definir esse tipo de peça, que é usado cotidianamente por mulheres de todas as classes sociais. As alças desaparecem a cintura volta a ser afinada. O uso de nesgas ajuda a peça se encaixar melhor nos quadris.

Era vitoriana tardia (1850-1900)


     A invenção do busk junto com o uso de barbatanas e ilhós de aço mudou completamente a confecção dos corsets, permitindo que as peças fossem cada vez mais apertadas e com modelagens mais curvilíneas. É também o início da prática do tight-lacing (uso constante do corset afim de diminuir medidas) por algumas mulheres. No final do século XIX a cintura é fina como nunca antes, e vemos peças ricamente decoradas. A partir de 1890 também surgem corsets que não cobrem mais o busto e são mais curtos, chamados de waist-cincher. Tem um post aqui no blog só sobre corsets vitorianos,com curiosidades e desmitificando algumas coisas. 

Era Eduardiana (1900-1920)



    Depois da virada do século os corsets se alongam e a silhueta buscada é em formato de S: ombros volumosos, cintura fina, abdômen comprimido e quadris projetados para trás. Novamente o corset ajuda a conquistar a silhueta desejada e esse efeito era atingido mesmo com peças mais leves, seja com peças com apenas uma camada de tecido ou até mesmo corsets feitos com fitas costuradas em pontos estratégicos. Também era comum que a peça tivesse ligas que eram presas à meia. 

    Fatores como a primeira guerra mundial e a maior inserção da mulher no mercado de trabalho fizeram o corset cair em desuso. A peça só voltaria a ser usada novamente com frequência durante a década de 1950 com o New Look da Dior e também teve um revival na década de 80 e 90, mas isso é assunto para outro post. 

    Ps.: As datas usadas para definir os períodos são baseadas nas mudanças na história da moda na Inglaterra e França, que eram nações influentes em relação à moda. 


Referências:

Corsets and Crinolines, Norah Waugh
The History of Underclothes, Cecil Cunnington
Corsets in context: a history - Fine arts museum of San Francisco


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