terça-feira, 31 de julho de 2018

Como uma mulher vitoriana se vestia: parte II

II - questões socioeconômicas e tecnológicas na produção das roupas


    Diferenças socioeconômicas eram refletidas nos trajes e sempre foi possível definir a que classe da sociedade uma pessoa pertencia de acordo com a sua vestimenta, e durante o século XIX isso se manteve evidente. Além disso, a moda também era um espelho que refletia o desenvolvimento tecnológico da época. Apresento aqui algumas curiosidades que influenciavam a moda vitoriana e nem sempre são citadas quando falamos sobre as mudanças de silhueta nos vestidos.

Opções na hora de confeccionar



    Durante o século XIX as fashions plates começaram a se tornar mais populares e isso contribuiu para que as mudanças na moda se espalhassem mais rapidamente e de forma mais 'democrática'. Isso acontecia em todas as classes sociais, afinal um vestido originalmente feito em seda poderia ser copiado em algodão estampado e ser usado pelas classes trabalhadoras, por exemplo. Moradoras do interior poderiam copiar a moda da capital usando revistas de moda como referência. 

    Apesar de todas as mulheres bem educadas saberem costurar e terem diversas habilidades manuais, as peças mais trabalhosas eram deixadas na responsabilidade de profissionais, pois um erro poderia significar o desperdício de tecido e dinheiro.

    Para atender essa clientela existia o “travelling dressmaker” (algo como costureiro de viagem), que ia na casa da pessoa fazer o molde e cortar o tecido, e supervisionava a costura da dona da casa e suas filhas. Essa opção costumava ser econômica caso fossem feitas várias peças, como um vestido para cada filha.

Sobre estar 'na moda' 

    Usar vestidos antigos para reproduzir o molde também era uma opção, mas que deixaria a pessoa atrasada na moda. Para as mais pobres, também haviam as lojas de segunda mão. Algumas trabalhadoras também recebiam roupas de suas patroas.

    Assim como a classe mais pobre usava roupas mais antigas e atrasadas na moda, para quem era das classes mais altas da sociedade estar sempre atualizado era imprescindível, para não parecer ser da classe trabalhadora. Por isso as mudanças na silhueta durante o século XIX são mais rápidas do que nunca aconteceu antes na história da moda. Os cortes mudavam a todo momento e isso movimentava todo o mercado da moda, que passou a crescer e se tornar o que é hoje. 


Influência de descobertas tecnológicas na moda

Ilustração de uma fábrica de crinolinas do século XIX

    O desenvolvimento da imprensa no século XIX influenciou muito a moda vitoriana, já que a partir de 1860 os materiais tornam-se mais baratos e assim publicações relacionadas à moda acabam sendo acessíveis a um número maior de mulheres. Dois exemplos de publicações assim são a The Ladie’s Cabinet, revista de 1839, e a The Englishwoman’s Domestic Magazine, que em 1862 tornou-se extremamente popular. Moldes vendidos em tamanho real existem na Inglaterra desde 1830, mas também foi a partir da década de 1860 que elas começaram a se popularizar. 


    Outro ponto importante foram invenções em tingimentos de tecidos. A partir de 1856 cores mais exuberantes como verde esmeralda, malva, magenta entre outras começaram a ser produzidas, por conta das descobertas de William Perkins. A invenção da máquina de costura em 1851 fez com que os detalhes das roupas aumentassem, assim como a quantidade de roupas que cada mulher tinha. Por volta do final da década de 1880s, o mercado ready-to-wear feminino começou a se equiparar ao masculino, principalmente o de roupas de baixo, que antes eram comumente feitas em casa.

Distinções de vestimentas entre as classes da sociedade 

    Em uma sociedade extremamente preocupada com normas sociais, havia uma distinção mesmo entre as classes mais baixas, dos ‘pobres respeitáveis’ aos desesperados. "Enquanto você conseguir manter as aparências, ainda há esperanças, mas decaia do nível aceitável de padrões de vestimentas e portas serão batidas na sua cara, oportunidades serão negadas para você", diz Ruth Goodman. Ter um vestuário decente fazia de você empregável, por exemplo. Haviam também adaptações na vestimentas de acordo com a profissão: As mulheres que faziam trabalhos mais pesados (pit girls) usavam uma espécie de calça larga, enquanto suas saias eram mais curtas, na altura do joelho, e as as fisherwoman também adaptavam suas roupas, deixando a saia mais curta, usando aventais...Mas como regra geral, mesmo as mulheres que trabalhavam fora se vestiam bem, de acordo com a moda da época. 

Loja de roupas usadas, 1876-1877

    Algodão era a fibra predominante no guarda-roupa feminino, principalmente em relação a roupas de baixos, e tinha a vantagem de poder vir em uma gama maior de cores e estampas. O linho também era usado, porém era mais caro, o que acabada tornando o tecido um sinal de status. Uma prática comum de quem não podia investir muito em tecidos era reaproveitar lençóis para produzir as roupas de baixo da família. 

    A moda foi um ponto importante na era vitoriana e é possível dizer muito sobre a sociedade da época enquanto pesquisamos sobre moda. Ela podia influenciar até mesmo no espaço físico e arquitetura, com cadeira se sofás mais amplos para comportar as crinolinas, ou o hábito de nunca deixar objetos abaixo da altura da cintura, pois podiam ser derrubados. Profissões diretamente relacionadas à moda passam a existir e um ato que a princípio parece simples, como o ato de se vestir, se torna cada vez mais carregado de significados e dita o lugar daquela pessoa na sociedade.

Referências:

GOODMAN, Ruth. How to be a victorian. Londres: Penguin Books, 2014

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Como uma mulher vitoriana se vestia: Parte I

I - Peças do guarda roupa e seus significados 


    Quais itens eram essenciais no guarda-roupa de uma mulher bem vestida na era vitoriana? Ainda que reparemos mais nos vestidos armados e cheios de detalhes, existiam várias outras peças que ajudavam a compor o visual feminino e podiam representar status, novidades tecnológicas e até mesmo tendências. Explorando alguns detalhes e curiosidades sobre as peças, apresento um breve guia de como uma mulher vitoriana se vestia. Nas montagens, busquei trazer exemplos de peças do início, metade e final do período para ilustrar.

 Chemise 


    O processo de se vestir se iniciava pela chemise, que era a primeira peça a estar em contato com o corpo e por conta disso também era lavada com mais frequência. De um ponto de vista cultural, a chemise era carregada de um ar de pureza, sem apelo sexual. O que significava que não havia nada de provocante na imagem de uma mulher vestida apenas de chemise na propaganda de uma marca de sabonetes, por exemplo. 

 Drawers 


    Espécie de calçola cujas pernas são unidas apenas no cós, os drawers começaram a ser mais usadas no século XIX e já surgiram causando certo alvoroço por serem ‘imitações’ das calças masculinas, o que era considerado escandaloso em uma época onde papéis de gênero eram bem distintos. Com a chegada da crinolina, elas foram bem mais aceitas por impedir que as pernas fossem mostradas por conta do movimento da peça. Para mulheres que estavam acostumadas a ter diversas camadas de tecido em volta de sua perna, estar apenas com drawers embaixo da saia poderia ser desconfortável.

    No final do século XIX aparecem as combinações, macacões feitos em linho ou seda, geralmente bem decorados e que substituíam o uso de chemise e drawers. 

Meias


    A partir de 1837 as meias começaram a ser tricotadas em máquinas, com algumas opções de cores. Até então o branco estava na moda mas a partir de 1850s cores vivas e padrões começaram a ser usados pelas mais jovens, ao ponto de no fim do século meias calças pretas e lisas serem vistas como algo mais conservador. A lã era o material mais indicado e com um preço razoável, meias de seda eram um luxo para poucas e uma meia ricamente decorada com bordados podia ser algo considerado sedutor, já que os tornozelos ficaram à mostra com o movimento das saias e anáguas. 

    Até a década de 1880 as meias eram presas por jarreteiras, mas depois começaram a ser presas por suspensórios em um cinto e depois com os mesmos presos no corset.

    Idealmente chemises, drawers e meias eram peças trocadas diariamente. O mais comum é que essas peças fossem claras e simples. Uma roupa de baixo enfeitada era um grande sinal de status, assim como mantê-las sempre bem asseadas. 

Corsets



    Corsets eram usados por mulheres de todas as classes sociais e era uma peça extremamente importante e significativa.


“Eles proporcionavam moda, naturalmente, mas para a mente vitoriana eles também proporcionam auto-respeito, sedução, conformidade social e uma série de benefícios à saúde” 
Ruth Goodman. How to be a victorian, p.64 


    Acreditava-se que os órgãos internos das mulheres precisavam de suporte, e havia também o fato de muitas delas perderem o tônus muscular por usarem corset desde cedo. Usar um corset também facilitava a manter uma boa postura e mantinham o corpo aquecido. Apesar de uma item controverso, médicos da época apoiavam o uso do corset, e só se preocupavam com a prática do tight lacing - o uso de corsets muito apertados a fim de modificar as costelas flutuantes e afinar a cintura..

     Apesar de entre 1840 e 1850 os corsets serem comumente feitos em casa a partir de 1860 isso muda, quando é desejável ter uma cintura mais fina e os corsets feitos por profissionais providenciavam isso. Também é nessa época que surgem marcas renomadas de corsets, cujas peças são extremamente elaboradas e refinadas.

    A partir da década de 1890, onde as cinturas estão finas como nunca estiveram e os corsets cada vez menores, como resultado dessa discussão sobre a saúde e os malefícios do tight-lacing surgiram os chamados corset saudáveis, como eram divulgados. Alguns inclusive sendo indicados para prática de esportes. 

    É possível falar muito sobre corsets, e inclusive já tem um post no blog sobre o assunto que recomendo a leitura: E essas mulheres que se apertavam em corsets? 

Anáguas e outras peças de suporte



    O kit básico que era usado por todas as mulheres consistia de anáguas em uma anágua de flanela e outra de algodão, mais próxima à pele. Entre 1849 e 1850 as mais fashionistas usavam mais peças para dar volume à saias, como a anágua de cordão (que era barata e fácil de confeccionar), anáguas acolchoadas, de babados, entre outras.

     A crinolina foi inventada em 1856 e passou a substituir o uso de várias anáguas. Conforme meninas tinham que reaprender a sentar-se e andar por conta da crinolina, cartunistas adoravam usar a crinolina como tema de suas sátiras. O uso da crinolina inclusive movimentou a economia por conta da quantidade de aço que era utilizado em sua confecção. Ainda que pareça algo que restrinja movimentos, parte das mulheres trabalhadoras também usavam crinolinas, como costureiras. Algumas também deixavam para usar a crinolina apenas aos domingos.

     Mais ao final do período surge a bustle pad, que são almofadas comumente recheadas com penas, quando a moda passa a ser saias cujo volume fica na parte de traz e com muitos drapeados

Complementos 



    Corset covers, chemisettes, coletes e camisoles eram usadas pra esquentar, suavizar as marcas das barbatanas sob o tecido do vestido e mostrar algum detalhe no decote ou mangas. E, novamente, quanto mais enfeitadas mais status demonstravam, assim como usar mais camadas de roupas demonstrava que a mulher era ociosa e tinha uma criada para ajudá-la a se vestir. 

Vestido


    Finalmente, a peça que chama a nossa atenção logo de cara. Usualmente consistia em duas peças separadas, o corpete e a saia. Também era comum que a mesma saia tivesse dois corpetes diferentes, um para ser usado de dia e um para uso noturno (vestidos assim eram chamados de robe a la transformation). Haviam diversos tipos de vestido e cada um para uma ocasião distintas. Vestidos de passeio, de jantar, viagens, bailes...sem contar os trajes esportivos. 

Outwear e outros adereços 


  Como sobreposição haviam capas, jaquetas e xales para o frio. Outros acessórios que complementavam o visual eram tiaras, chapéus, luvas, cintos, broches, entre outros. Variar os acessórios sempre foi uma boa forma de dar uma cara nova a um visual repetido e as vitorianas seguiam isso.


    E assim temos um traje completo! Certamente não é possível abranger com detalhes a moda de décadas em apenas um post, a intenção foi apresentar de forma breve os principais itens que são necessários na recriação histórica e trazer algumas curiosidades sobre eles. Espero que tenham gostado e logo volto com a parte II, falando sobre a confecção dessas peças. 

Referências:

GOODMAN, Ruth. How to be a victorian. Londres: Penguin Books, 2014